No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) havia a previsão do voto de qualidade, que funcionava como uma prerrogativa conferida ao presidente do órgão administrativo julgador em caso de eventual empate em julgamentos.

Enquanto órgão com estrutura colegiada paritária, participam do julgamento quatro representantes do contribuinte e quatro representantes do fisco, de maneira que existe uma eleição equivalente entre os diferentes interesses em conflito. Contudo, pela redação original da Lei 10.522/2002, as presidências sempre são destinadas aos conselheiros representantes do fisco, sendo que cabia a eles o voto de qualidade, ou seja, o voto que servia como critério de desempate.

Portanto, por essa regra, em caso de empate, o voto de minerva era do presidente da turma julgadora, função que sempre é exercida pelo fisco. O ponto de principal crítica é que esse mecanismo quase sempre beneficiava o fisco em detrimento do contribuinte.

Porém, recentemente o voto de qualidade foi extinto em razão de uma modificação na legislação. A promulgação da Lei 13.988/20 (fruto da MP 899/19) alterou a redação da Lei 10.522/2002 e passou a determinar que em caso de empate não se aplicaria o voto de qualidade, resolvendo-se o julgamento favoravelmente ao contribuinte em “julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário”.

Com essa mudança, surgiram debates acerca da existência de vícios formais e materiais da lei, culminando em três Ações Diretas de Inconstitucionalidade: ADIs 6.399, 6.403 e 6.415 propostas pelo procurador-geral da República, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), respectivamente.

Essas ações alegam a existência de vício no âmbito do processo legislativo e consequente violação ao princípio democrático e ao princípio do devido processo legislativo, com o argumento de que a norma foi resultado de emenda parlamentar apresentada após emissão de parecer pela Comissão Mista, sem pertinência temática com a Medida Provisória.

Quanto ao questionamento do voto de qualidade propriamente dito, apontou-se que “essa mudança repentina implicará na alteração da própria natureza do CARF, dado que se passará a conferir ao órgão estratégico da Administração Tributária Federal um caráter eminentemente privado, tendo em vista que os representantes dos contribuintes, indicados por entidades privadas, passam a ter poder decisório soberano”.

Nesse sentido, foi mencionada violação ao princípio da legitimidade do ato administrativo e ao princípio constitucional implícito da prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Além disso, de acordo com a ADI proposta pelo PSB, o fim do voto de qualidade traria uma perda arrecadatória para os cofres públicos, estimada em R$ 60 bilhões por ano.

O julgamento iniciou em 2021 de forma virtual e, em 23 de março deste ano, foi retomado. No entanto, não foi encerrado o caso, pois houve novo pedido de vista, desta vez pelo ministro Nunes Marques. Até o momento houve manifestação dos ministros Marco Aurélio, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

O relator, ministro Marco Aurélio, proferiu seu voto antes de se aposentar e entendeu pela inconstitucionalidade da lei e consequentemente, pelo retorno do voto de qualidade, em decorrência da ausência de pertinência temática no processo legislativo. Para ele, trata-se do chamado “contrabando legislativo”, fenômeno que ocorre quando há inserção de um assunto diverso do efetivamente tratado na medida provisória. No caso concreto, entendeu que a MP 899 versava sobre transação tributária e, durante o processo legislativo, foi incluída uma matéria sem pertinência temática, ou seja, sem afinidade com o conteúdo. Apesar desse posicionamento, entendeu que não há impedimento para que se crie uma norma nesse sentindo, em que o empate se resolva a favor do contribuinte, conforme trecho retirado do seu voto:

“A adoção, no contencioso fiscal, de solução favorável ao contribuinte, em caso de empate na votação, não conflita com a Constituição de 1988. É opção legítima e razoável do legislador, estando em harmonia com o sistema de direitos e garantias fundamentais”.

Em contrapartida a este entendimento exposto pelo relator, o ministro Luís Roberto Barroso concluiu pela constitucionalidade formal e material da nova regra, propondo a seguinte tese: “É constitucional a extinção do voto de qualidade do presidente das turmas julgadoras do CARF, significando o empate decisão favorável ao contribuinte. Nessa hipótese, todavia, poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário”.

Como se observa, foi aberta a possibilidade para a Fazenda Nacional recorrer ao Poder Judiciário em caso de eventual derrota no CARF. Para o ministro Barroso, a possibilidade de ajuizamento de ação visa reequilibrar a relação entre as partes:

“Reconhecer a possibilidade de a Fazenda Nacional ir a juízo, nessa situação, é imprescindível para resguardar o equilíbrio das relações entre o ente público e o sujeito passivo. Isso porque, se antes o voto de qualidade gerava uma distorção em favor do Fisco, a sua extinção – com resultado necessariamente favorável ao contribuinte em caso de empate –, sem a ressalva aqui realizada, inverteria a balança para o outro lado. E o que se deve buscar, em última análise, é a plena isonomia entre as partes, e não a prevalência apriorística de uma sobre a outra”.

Caso o voto do relator prevaleça, as decisões que seguiram o novo entendimento do artigo 19-E da Lei 10.522 provavelmente serão alvo de contestação pelo Fisco no âmbito judiciário.

Se o voto de qualidade for declarado constitucional, há chance de que a tese já fixada pelo ministro Barroso seja adotada. Assim, caso seja autorizado à Fazenda Nacional recorrer das decisões finais decididas a favor do contribuinte decorrente do empate do julgamento, estima-se um aumento de ações judiciais com a finalidade de questionar as decisões em que foram aplicadas a nova norma do artigo 19-E da Lei 10.522/02.

No entanto, já existe polêmica sobre o tema: se o CARF e a PGFN são órgãos integrantes do Ministério da Economia, como a PGFN poderia questionar uma decisão dada pela própria Administração Pública da qual integra?

Vale ressaltar que, acerca deste ponto, o ministro Alexandre de Moraes manifestou entendimento diverso.

Outro ponto merece destaque: ainda que haja uma decisão favorável ao contribuinte, certamente haverá questionamento em relação à Portaria do Ministério da Economia nº 260, de 1º de julho de 2020, que previu algumas hipóteses em que o voto de qualidade ainda poderá ser aplicado. Poderia uma portaria infraconstitucional relativizar a própria lei que, por sua vez, não prevê nenhuma hipótese de exceção?

O artigo 19-E da Lei 10.522/02 que extinguiu o voto de qualidade não prevê nenhuma hipótese em que o mecanismo ainda poderia ser utilizado, aplicando o desempate favorável ao contribuinte de modo irrestrito.

Apesar disso, o artigo 3º da referida Portaria traz algumas incongruências e polêmicas, dispondo que o resultado do julgamento favorável ao contribuinte não se aplica em algumas situações no âmbito do CARF, tais como os julgamentos de matérias de natureza processual, bem como de conversão do julgamento em diligência, de embargos de declaração e das demais espécies de processos de competência do CARF que não decorrem de auto de infração ou de notificação de lançamento.

Assim, mesmo que haja um entendimento final pró contribuinte, poderá surgir um novo contencioso no que diz respeito aos critérios previstos na Portaria 260/20 que pretende restringir a nova forma de desempate. Vamos aguardar e acompanhar o desfecho e as novas controvérsias que certamente surgirão após o julgamento das ADINs.

Fonte: Jota.